12 de mar. de 2012

Viver o Evangelho ou “abraçar a causa”?

“A quem iremos, Senhor?” (Jo 6, 68)

Por Jildonei Lazzaretti

Nesta última semana, foram divulgadas acusações contra o Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior, por meio de uma carta aberta assinada por alguns clérigos da Arquidiocese de Cuiabá e de outras dioceses que compõem esta província eclesiástica. Diante disto, muitos católicos mobilizaram-se em favor da defesa do sacerdote nas redes sociais e junto às autoridades eclesiásticas. Meu objetivo aqui não é fazer uma apologia ao Pe. Paulo Ricardo, e sim analisar o que está por trás deste episódio. Mas, agindo com honestidade intelectual, deve ficar claro que as acusações proferidas contra este sacerdote são explicitamente infundadas e não condizem com a realidade.

O que se percebe, no entanto, é que tais acusações são simplesmente uma perseguição ideológica. Em abril de 2010, houve um caso semelhante a este quando o teólogo Hans Küng acusou o papa Bento XVI de ter acobertado casos de pedofilia quando era Prefeito da Congregação para Doutrina da Fé: “Não há como negar o fato de o sistema de ocultamento posto em prática em todo o mundo diante dos crimes sexuais dos clérigos ter sido engendrado pela Congregação para a Doutrina da Fé romana sob o cardeal Ratzinger (1981-2005)”. Defendendo Bento XVI, George Weigel classificou a atitude de Hans Küng como um ato de odium theologicum. Ou seja, Hans Küng ofendeu (sem provas e fundamentos) a integridade de Bento XVI, não por um clamor de justiça, mas unicamente para combater um grande teólogo que se opõem à sua linha de pensamento. Num debate, quando não se consegue vencer por meio de argumentos, busca-se denegrir a imagem daquele que argumenta, pondo abaixo sua credibilidade.

Quanto ao caso do Pe. Paulo Ricardo, pode-se afirmar convictamente que as acusações sofridas são também fruto de odium theologicum. Mas este fato apenas evidencia algo que permeia os bastidores da Igreja do Brasil, estendendo-se também a toda Igreja: chegou a hora de fazer a opção radical pelo Cristianismo ou por uma ideologia. A missão do Povo de Deus (e nesse conceito se inclui toda Igreja: papa, bispos, presbíteros, diáconos, religiosos, leigos, [Cf. Lumem Gentium, 13]) é ser instrumento de Salvação, anunciando o Evangelho não apenas por proselitismo, nem ‘usar’ o Evangelho simplesmente como fachada para transmitir opiniões pessoais ou de determinado grupo; mas anunciar o Evangelho tendo em vista a Salvação daqueles a quem se anuncia.

O que se percebe é que há muito tempo nos prendemos a um “jeito novo” de fazer Teologia, cujo método filosófico é extremamente incoerente com a fé católica. Mesmo assim, tolerou-se tal produção teológica, apesar de sua inconsistência; até que se chegou à negação de alguns conteúdos da fé ou da distorção dos mesmos, em detrimento de um novo método de se fazer teologia: sacrificou-se o conteúdo da fé, em nome de um método filosófico-teológico, de uma simples ideologia. Conclui-se, assim, que hoje tal teologia já não existe mais enquanto produção teológica (pois não transmite nenhum conteúdo para a verdadeira fé católica), mas ainda está bem viva enquanto ideologia em nossas comunidades.

Não venho aqui pedir utopicamente uma “Revolução Teológica”, pois tenho plena consciência do quão difícil é a missão dos sacerdotes e bispos no exercício de seu ministério junto a uma determinada comunidade, que carrega certa identidade cultural e inevitavelmente também está afetada por certas concepções ideológicas. Mas o que se precisa fazer urgentemente é colocar o conteúdo da fé em primeiro lugar, e não adequar a fé aos moldes de uma certa ideologia.

Também não quero aqui argumentar sobre a inconsistência de tal teologia, pois este papel já foi muito bem realizado pelo Pe. Paulo Ricardo, através de análises históricas e filosóficas, com fundamento no Magistério da Igreja.

No entanto, quero clamar por aquilo que um dia João XXIII pediu a toda Igreja através do Concílio Vaticano II: o aggiornamento, a atualização à realidade. A sociedade atual há muito tempo já deixou de ser cristã, basta olhar para o Brasil, para suas leis, para a questão do divórcio, para a legalização das uniões homoafetivas, para a legalização do aborto e da eutanásia que, se não fizermos nada, inevitavelmente será uma realidade, através da alteração do Código Penal.

Nossa esperança está em uma parte da juventude que AINDA vê na Igreja Católica um referencial, e não se deixa levar por críticas infundadas. E estes jovens não querem mais saber, por exemplo, de participar de mutirões da Pastoral da Juventude, mas querem ser testemunhas no seu dia-a-dia, identificando-se como católicos e defendendo a Igreja e sua fé no trabalho, na família, na escola e na universidade. Estes jovens não querem saber de “batizar” uma ideologia para usá-la como estilo de vida, ou “abraçar a causa” desta ideologia, mas eles querem saber o que diz a Igreja Católica, por meio de sua Tradição bimilenar durante a qual eles CREEM que o Espírito Santo agiu, age e continuará agindo.

Portanto, aqui está a realidade pastoral a partir da qual se deve agir: esta parcela da juventude que é uma esperança da Igreja nesta sociedade pós-cristã, não quer aderir a uma ideologia, mas quer viver a Fé de Cristo, confiada aos Apóstolos e seus sucessores ao longo dos séculos através da Igreja Católica Apostólica Romana. E para que não se frustre esta esperança, estes jovens necessitam urgentemente de formação na verdadeira fé (o que pressupõe investimento de tempo e recursos por parte das dioceses e paróquias), de espiritualidade (o que pressupõe sacerdotes que tenham consciência da importância da Eucaristia, da Confissão e da Direção Espiritual) e de exortação (o que pressupõe verdadeiros pastores e profetas que os guiem e lhes falem a Verdade com Caridade, desafiando-os a viver comprometidamente a Verdade, que é Cristo).

Peço encarecidamente que o texto acima não seja tido também como uma manifestação ideológica ou como uma crítica desmedida e utópica; mas unicamente como o apelo de um leigo que, como batizado participando do múnus profético, real e sacerdotal, sente-se responsável perante as necessidades da Igreja, Corpo Místico de Cristo, e que se coloca à disposição de seus pastores, para auxiliá-los na difícil tarefa de Ensinar, Reger e Santificar.

Estejamos unidos em oração uns pelos outros, pela Igreja e por seus membros.

Que o Senhor nos abençoe, livre-nos de todo mal e nos conduza à vida eterna. Amém.

Jildonei Lazzaretti

Cáceres-MT, 09 de Março de 2012
Memória de São Domingos Sávio

Nosso agradecimento ao autor pelo envio do artigo

1 comentários

Ronaldo Vicente disse...

Parabéns pelo texto: interessante, instrutivo e bem fundamentado. Deus seja louvado!